Mercado de carbono e a relação com agricultura e sustentabilidade
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Mercado de carbono e a agricultura

4 min de leitura

A preocupação com as mudanças climáticas e a corrida pela sustentabilidade fez surgir o mercado de créditos de carbono, uma possibilidade e oportunidade para o agronegócio. Inclusuive, há quem chame o crédito de carbono de terceira safra. Para explicar melhor […]

por Luisa Torres
08 de novembro de 2021
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Mercado de carbono e a relação com agricultura e sustentabilidade
credito de carbono

A preocupação com as mudanças climáticas e a corrida pela sustentabilidade fez surgir o mercado de créditos de carbono, uma possibilidade e oportunidade para o agronegócio.

Inclusuive, há quem chame o crédito de carbono de terceira safra. Para explicar melhor esse assunto, convidamos Fábio Avelar Marques, diretor da Plantar Carbon. Confira a entrevista a seguir:

Entrevista com Fábio Marques sobre o mercado de carbono e a agricultura

Syngenta Digital: O que é o crédito de carbono?

Fábio Marques: O mercado de carbono é um mercado onde se pode comercializar créditos de carbono ou de emissões e até mesmo de redução de emissão de efeito estufa. Basicamente, tem duas formas: a primeira é o que a gente chama de mercados regulados de carbono, em uma sigla em inglês que a gente chama de mecanismos de Cap and Trade. Cap é o um teto de emissões e Trade é o comércio.

Como funciona? O governo coloca um limite de emissões para uns setores específicos. Obviamente, esses limites de gases de efeito estufa são aplicados para cada empresa, unidades produtivas. Essas empresas não podem emitir mais do que aquele teto, o Cap. Se elas passarem do teto ou elas pagam uma multa ou compram créditos daquelas empresas que ficaram abaixo do teto.

Qual fundamento disso? Na verdade, não interessa onde no mundo se emite os gases do efeito estufa. O efeito para a atmosfera é o mesmo, um efeito global. Então, se a gente emite na China ou no Brasil dá no mesmo para a atmosfera. Por isso que tem esse mercado, ou seja, ele permite que aquelas empresas que foram mais eficientes possam reduzir mais do que elas precisam. E aquelas que tiverem dificuldade, ao invés de gastarem muito dinheiro reduzindo com a emissão, elas podem reduzir uma parte e comprar outra de uma empresa. Por quê?

Como o efeito de redução é mesmo, não importa onde ele ocorra, o mercado dá custo e efetividade para a redução de emissão, né? Ele torna o esforço global de redução de emissão mais eficiente. Reduz mais quem pode mais, reduz menos quem pode menos.

E aí, para a economia global o custo fica menor porque a gente consegue otimizar por meios desses incentivos. Ou seja, aquela empresa que quer fazer mais, ela pode. Vai ter a receita pelo fato de ter reduzido a mais e a empresa que tiver dificuldade ainda por uma base tecnológica menos eficiente e muitas vezes fóssil, enquanto ela se prepara para reduzir essa emissão e prepara tecnologias mais eficientes, ela pode comprar créditos.

Não é que é uma licença permanente para ela só comprar crédito e não reduzir. É mecanismo de transição e na verdade de custo e efetividade. Essa é a lógica de um mercado regulado e de carbono.

Mapa geográfico global mostrando os percentuais de  emissões de carbono que estão precificados

Além disso, existem mecanismos voluntários, ou seja, a empresa não é necessariamente regulada por esse mercado, mas ela pode, por exemplo, fazer um projeto específico de crédito de carbono em que ela vai ter que demonstrar que na ausência do crédito as suas emissões seriam x e com crédito ela vai conseguir reduzir essas emissões. Isso, desde que ela tenha o que chamamos de adicionalidade.

Ou seja, a empresa tem que comprovar que o crédito de carbono é um meio importante para ela conseguir reduzir a emissão. E aí ela reduz essa emissão em relação a uma linha de base, que é o que a gente chama, e esse delta entre a linha de base e o projeto é o crédito de carbono que ela pode vender isso, voluntariamente no mercado ou em alguns casos, desde que o mercado regulado permita, ela pode vender esse crédito para uma empresa que tem obrigação legal. Essa mesma lógica que eu expliquei serve para empresas e para países. Depende do que esteja sendo regulado. É assim que funciona, de grosso modo, o mercado de carbono.

Syngenta Digital: A gente vê também algumas empresas investindo até no reflorestamento ou plantando árvores. O que isso tem a ver com mercado de carbono?

Fábio Marques: Em certos mercados, por exemplo, no mercado atualmente vigente que é o mecanismo de desenvolvimento do protocolo de Kyoto se permite fazer projeto de crédito de carbono florestal. Ou seja, quando você planta árvores, refloresta uma área, você está sequestrando carbono. Na verdade, não é a gente. É a tecnologia mais antiga da humanidade: a fotossíntese. As árvores, as plantas fazem a fotossíntese, absorvem o CO2 e a partir do momento que você está reflorestando uma área, por exemplo, que era antes a pastagem, você está aumentando o estoque de carbono naquela área, portando absorvendo CO2.

Em alguns casos, essa atividade de reflorestamento seja para fins econômicos, por exemplo, florestas plantadas para produção de diversos fins ou para fins de conservação, (restauração de áreas com florestas nativas) você pode fazer o projeto específico, demonstrar o que comentei da adicionalidade e vender esse crédito para quem precisa compensar suas emissões no mercado regulado ou no voluntário.

Você já deve ter ouvido falar em quantas empresas estão aderindo ao movimento net zero até 2050. São emissões líquidas zero até 2050. Para isso vai ser importante duas coisas: primeiro remover carbono da atmosfera. Você comentou de reflorestamento e pode ser uma alternativa muito importante. Ao mesmo tempo, elas vão precisar comprar um pouco de crédito. Não significa que elas vão comprar tudo de crédito e não reduzir nada, não é isso. Elas precisam reduzir e podem utilizar o crédito de carbono como uma das formas complementares para alcançar essas metas.

Syngenta Digital: A agropecuária brasileira é vista por algumas pessoas e até por outros países com a vilã do aquecimento global. Mas ela é uma das únicas atividades produtivas que têm um potencial bem grande de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, né? Sequestrando carbono na atmosfera. Explica para a gente como o produtor pode criar créditos de carbono e entrar nesse mercado.

Fábio Marques: Primeiro, a gente tem que ter em mente que a agropecuária, como qualquer atividade econômica, emite gás de efeito estufa, mas eu não diria que ela é a vilã porque a principal fonte de emissões de gás de efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão mineral).

Claro que a agropecuária também emite gás de efeito estufa como o metano na fermentação entérica da pecuária e o N2O pelos fertilizantes em agricultura que também é um gás de efeito estufa, por exemplo. Esses gases têm um potencial de aquecimento global maior que o CO2, por isso as pessoas têm essa imagem. Mas não é que ela seja a principal fonte de emissões do mundo, mas não a principal. É importante ter essa perspectiva. Eu estou colocando isso para equilibrar porque nem tanto ao mar nem tanto à terra. Claro que a agropecuária tem que reduzir a emissão, mas dentro do que o mundo coloca como proporção.

A agropecuária tem diversas formas de reduzir seu impacto, um é com uso mais eficiente de fertilizantes. O nitrogênio quando aplicado em fertilizante gera emissões de N20. A pecuária emite metano pela fermentação entérica. Tem a fixação biológica de nitrogênio que é uma alternativa, o plantio direto que revolve menos o solo.

Eu destacaria um ponto que é muito importante para o Brasil que é a questão de restauração de áreas com florestas porque você pode ter uma propriedade no Brasil que tem um pouco de emissão de carbono seja por fertilizante ou seja por pecuária, mas ao mesmo tempo equilibrar o balanço e sequestrar carbono com a área de floresta daquela propriedade.

No Brasil, a agropecuária em geral pode também ser uma solução desde que se tenha mecanismos e os incentivos adequados. A Embrapa, por exemplo, tem um programa que se chama Carne Carbono Neutro que é exatamente colocar numa propriedade de forma integrada e considerar as emissões de metano, mas também outras ações de redução de emissão, inclusive a restauração e o reflorestamento de áreas de preservação permanente, de reserva legal.

Você sabe que o Brasil é um dos poucos países do mundo que se exige que não se plante, não se produza em uma área, dependendo do bioma, chegando a 30%, isso tem que ser valorizado.

Precisamos de muito equilíbrio. Sim, precisamos reduzir emissão na agropecuária, mas precisamos lembrar também que o Brasil tem ativos importantes na propriedade rural que podem tornar esse balanço sustentável e eu diria que até diferenciado do resto do mundo.

Syngenta Digital: E como o produtor poderia entrar nesse mercado e até ganhar dinheiro. Tem gente chamando o crédito de carbono de 3 safra!

Fábio Marques: É possível, mas não é um processo simples. Na verdade, a agropecuária, por enquanto, não está sendo regulada por mercados mandatórios de carbono em praticamente nenhum país do mundo.

A Nova Zelândia tem alguma experiência, nos principais mercados ainda não está sendo regulado porque é difícil. Por exemplo, como você vai obrigar alguém, o proprietário rural, milhões de proprietários rurais no Brasil a reduzirem as emissões de metano na propriedade? Tem ali uma pessoa que tem poucas cabeças de gado, é difícil regular isso.

Então, na verdade a agropecuária, por enquanto, não está regulamentada aos mercados regulados de carbono. Agora, como mencionei no início da nossa conversa, existem os mercados voluntários que podem ser oficiais via ONU, MDL artigo 6.4 do acordo de Paris que estão tratando justamente disso e o mercado voluntário regulado por entidades não governamentais. Então, os produtores podem trabalhar por projetos específicos de crédito de carbono dentro das suas propriedades naquelas atividades que sejam elegíveis.

O Brasil teve experiências importantes nisso. Na suinocultura conseguiu desenvolver uma série de projetos com biodigestores, reduzindo as emissões de metano e até cogerando energia. Já falei da questão do reflorestamento; o próprio confinamento de gado eventualmente pode ser uma saída porque você consegue gerir melhor ali as emissões de metano; plantio direto; fixação biológica de nitrogênio, carbono no solo. Todas essas são atividades que têm potencial de se tornarem elegíveis para mecanismos voluntários de crédito de carbono. Existem essas possibilidades, não são tão simples, mas são factíveis. Há solução.

A ideia do crédito de carbono é que ele gere, ele melhore a atratividade, ou seja, o que é o crédito de carbono? É um instrumento de precificação de carbono, ele permite internalizar o que até então era uma externalidade que é a emissão de carbono. Quando você coloca preço naquilo, o produtor tem um incentivo para reduzir aquela emissão, né? Seja penalização, por exemplo, alguns países têm tributo de carbono, nós não estamos evoluindo nessa vertente aqui no Brasil, mas você pode evoluir como mercado de carbono.

Falando um pouco de números. Em 2011, no auge dos mercados de carbono, os mercados regulados chegaram a movimentar quase 180 bilhões de dólares. Hoje em dia, 22% das emissões mundiais já estão sob algum tipo de tipo de precificação de carbono, seja mercado de carbono ou tributo. Tem mercados já na China, na Europa, nos EUA, no Brasil.

Mapa brasileiro indicando uma questão paradoxal de termos desmatamento, mas ter matiz energética limpa acima da média

Aqui, um deputado anunciou que vai ser colocado em tramitação um projeto de lei 528 para ter um mercado regulado de carbono no país. Então, tem uma série de iniciativas tratando desse respeito e além disso vai ter a Cop em Glasgow, a Cop 26, cujo o tema vai ser a regulamentação do artigo 6 do acordo de Paris que visa criar mecanismos globais do mercado de carbono para substituir o MDL, do protocolo de Kyoto. Ele vai ter o artigo 6.2 que é o comércio de carbono entre países, entre governos e o artigo 6.4 que é envolvimento direto das empresas nesses mercados.

Esse vai ser um dos principais pontos da negociação da Cop e a gente espera que dessa vez que tenha êxito. O mundo não tem condições mais de esperar. Então, a gente precisa aumentar a ambição dos países de aumentar as reduções de carbono e ter mecanismos econômicos como os de marcado de carbono.

Syngenta Digital: O que o Brasil ainda precisa para avançar nesse mercado?

Fábio Marques: Eu costumo dizer que aqui no Brasil vivemos uma situação paradoxal. Por um lado, os fatos recentes mostram que infelizmente o desmatamento tem aumentado. Isso reverbera lá fora como se contaminasse toda a economia e não é o caso. É fundamental acabar com o desmatamento. Mais de 90% desse desmatamento é ilegal, estamos falando de um problema que é de polícia.

Esse é um desafio muito grande para o Brasil. Infelizmente, esse desmatamento voltou a aumentar nos últimos anos e precisamos lidar com isso. O mundo esperar que o país reduza as emissões e o desmatamento. Dito isso, tem um outro lado da história. Por isso falo que é uma situação paradoxal. A nossa matriz energética, 42% é renovável. A média dos países ricos, a média mundial é menos de 15 por cento. Então, do ponto de vista energético, o Brasil já é bastante limpo em relação ao resto do mundo. Nós temos hidrelétricas, nós temos bicombustíveis, temos florestas plantadas, carvão vegetal, energia eólica, energia solar, uma série de conquistas brasileiras que já nos diferenciam globalmente.

O Brasil recentemente confirmou que pretende também anunciar o compromisso de ser uma economia neutra em carbono até 2050. É a mesma meta que os países desenvolvidos têm perseguido. É uma meta ambiciosa, precisamos criar mecanismos de implementação para isso. Mercado de carbono é um deles, um dos mais poderosos.

Mas você também tem financiamento, políticas públicas, regulamentação… Eu costumo dizer que para mudança do clima, um problema tão gigantesco, você não tem uma bala de prata. Não tem uma solução só. Tem que ter um portfólio de soluções e de tecnologias que façam com que a humanidade consiga resolver o que para muitos é o maior problema de ação coletiva que a gente já enfrentou.

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